A profecia da fé para o terceiro milênio

Marcelo Barros

Para muita gente, a fé e a mística elevam espiritualmente o ser humano, mas o faz desinteressar-se dos problemas do dia a dia. Celebrando o Natal, as Igrejas cristãs proclamam que, nascendo em Belém como ser humano, Jesus de Nazaré, o consagrado do Pai, assumiu a humanidade em todas as suas dimensões. Assim, nos chama a ligar a fé a uma atuação profética e transformadora deste mundo.

Reencarnando o Buda da compaixão, o Dalai Lama viaja, incansavelmente, trabalhando pela paz do mundo e pela liberdade do seu povo. Em diversos países, monges budistas protestam contra governos ditatoriais e corruptos. A Bíblia ensina que a base da verdadeira adoração a Deus é a prática da justiça e a busca do direito para todos. Nesta espiritualidade býblica, Jesus foi educado. Nela, testemunha a sua união ao Pai. Embora nem sempre pareça, todo cristianismo deve ser profético e crítico com relação ao mundo. Paulo aconselha aos cristãos de Roma: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação de vossa mente"(Rm 12, 2).

Dentro dessa tradição profética da fé cristã, de 01 a 03 de dezembro, se reuniram em Santo André (SP), mais de 2.500 cristãos e cristãs, de várias Igrejas, buscando aprofundar a união entre a fé e a atuação política. Eram militantes de partidos políticos e pessoas que ocupam cargos públicos no Brasil. O tema do encontro foi "Mística e Militância Política".

Há vários anos, acompanho este grupo como assessor e coordenador de retiros espirituais. Posso testemunhar que, no mais profundo de si mesmos, vários destes irmãos e irmãs dizem com toda sinceridade: "É a busca da intimidade com Deus que me leva a engajar-me em um partido político e procurar fazer da política ato de amor e prática de solidariedade".

Em uma vigília bíblica, o cardeal Martini, arcebispo de Milão, declarava: "Quero lhes falar de um mal obscuro, difícil de nomear, até porque é difícil de reconhecer. Parece um vírus latente, mas onipresente. Poderemos chamá-lo como "acédia pública ou política". É o contrário daquilo que o Novo Testamento grego chama de "parresia", liberdade de chamar as coisas pelo próprio nome. Trata-se de uma neutralidade meio apática, do medo de valorar obejtivamente, as propostas conforme critérios éticos. É um fenômeno que tem como conseqüência uma decadência da sapiencialidade política".

Pesquisas confirmam que, entre adultos e jovens, o interesse pela política tem diminuído e a credibilidade da classe política anda ameaçada. Por isso, é importante que o amor à humanidade uma crentes e não crentes na tarefa espiritual de construir uma sociedade nova, baseada na justiça, paz e profundo respeito à natureza. É um desafio que nos faz lembrar a figura e a mensagem do pioneiro Dom Hélder Câmara que dizia: "Quando os ministros da Igreja freqüentavam os gabinetes dos poderosos e sentavam-se à mesa dos grandes, não eram acusados de fazer política. Agora, assumimos o serviço dos pequenos e dizem que trocamos a religião pela política e somos subversivos".

Preparando o último Natal deste milênio, as comunidades cristãs têm como figura do tempo do Advento, a pessoa de João Batista, o profeta do deserto que se chamava "amigo do Esposo". Apesar de anunciar a vinda do Messias, ele foi preso e assassinado pelo rei que o acusou de ação política e ingerência nas intrigas palacianas. Na véspera do Natal, o antigo ofício litúrgico traz uma antífona, inspirada no livro do Êxodo, que expressa bem esta esperança messiânica: "Hoje, sabereis que o Senhor virá e amanhã, vereis a sua glória. Amanhã, será destruída a iniqüidade deste mundo e reinará sobre nós o Salvador".






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